domingo, 15 de março de 2009

Sebastião Preto Carvão



Nome: Patrícia Lima
Cidade: Palmela
Blog: sebastiaopretocarvao.blogspot.com e macariscada.blogspot.com
Flickr: www.flickr.com/photos/32840893@N05




Como descreverias o teu trabalho?

Sou ainda uma aprendiz de costura, aos poucos fui aprendendo a coser melhor, a fazer novos pontos e a dominar melhor os que já fazia, a máquina de costura foi minha inimiga por uns tempos, mas depois fizemos as pazes e já não conseguimos viver uma sem a outra. Continuo a aprender e a tentar fazer sempre melhor. O carinho e amor que coloco em cada peça é aquilo que mais importa em cada uma delas. Acho que é o que as torna únicas e especiais.

Faço bonecos. Não tenho jeito para outra coisa, gosto de os ir construindo aos poucos, ao sabor da imaginação de cada dia. Por isso gosto de fazer um de cada vez, é raro ter mais do que um começado e fico absolutamente desorientada quando isso acontece. Acho que eles têm coração e personalidade própria, e é-me impossível estar a dar forma a duas criaturas ao mesmo tempo... A não ser que as suas vidas e histórias se cruzem!



Como é que tudo começou?

Começou com a vontade de fazer um gato para uma amiga que adora gatos. Ela já fazia bonecos e foi ela que me deu a conhecer este fascinante «mundo novo»! Sempre achei que não sabia coser, durante anos recusei-me a coser um botão que fosse... bem sei que um pouco mais por preguiça do que por falta de jeito... mas a verdade é que até então nunca senti vontade de costurar. Foi uma aventura, uma brincadeira e o primeiro gato saiu absolutamente assustador. Ainda o tenho comigo, claro! E sempre que olho para ele não consigo deixar de soltar uma gargalhada! Estou a olhá-lo agora! E vocês também! :)



Costurar requer acima de tudo persistência, treino e prática! O segundo gato saiu melhorzito e lá serviu para oferecer à amiga... A partir daí começou o vício... Por uns tempos, todos os amigos, primos, sobrinhos e afins, grandes e pequenos, foram presenteados com bonecos feitos por mim.

Como escolheste o nome do teu projecto?

Comecei por fazer gatos, são a minha paixão, adoro animais e os gatos são a minha perdição. O meu gato Sebastião sempre foi o meu companheiro de costuras, embora sempre mais interessado nas linhas e agulhas do que nos bonecos, é certo! Mas é um óptimo companheiro, excelente conselheiro e uma fonte de inspiração deliciosa! Por isso o nome saiu naturalmente, é o nome dele: sebastiãopretocarvão. O nome do meu gorduchão preto, cor de carvão! Ok, também sempre gostei de frases a rimar, nota-se? ;)



Porquê fazer crafts? O que é que te motiva?

O que sempre me agradou na criação dos meus bonecos foi o facto de aqui eu ter liberdade total. Aqui não há briefing e posso ir construindo cada um deles à minha vontade. A todo o momento posso mudar, não preciso de nenhuma metodologia, não preciso saber qual vai ser o resultado final e este não tem que ter nenhuma função, utilidade ou sentido! E tudo isto me parece uma antítese do que sempre aprendi, do que deve ser um designer. Na altura, quando comecei a costurar, o design ocupava o meu dia e os bonecos parte da noite! E era uma delícia poder dedicar-me a ambos!



Os crafts são um trabalho a tempo inteiro? O que ocupa os teus dias?

Neste momento, o projecto «pequeno José» ocupa grande parte do meu tempo e pensamento... depois há a loja Maçã Riscada, o meu projecto de sonho tornado realidade na minha terra do coração, Palmela. A «Maçã» é um grande pomar cheio de trabalhos deliciosos de pessoas com muito talento. É também aí, num pequeno atelier (cheio de confusão e desarrumação) que dou forma aos meus «meninos», nos momentos mais calmos, quando não há gente a visitar o pomar!

Quando comecei, os bonecos eram apenas um hobby que me dava muito prazer, feito nos poucos tempos livres que tinha. Na altura trabalhava como designer numa empresa na capital do vidro, a minha saudosa Marinha Grande. Fiz parte de um projecto muito especial e adorei participar nele. Fiquei triste, desiludida e um pouco ferida quando percebi que não tinha futuro. Quem me conhece sabe a nostalgia que ainda hoje sinto face ao seu fracasso.

Mas acredito de coração que tudo tem um sentido na nossa vida, e nesse momento, era altura de mudar. O meu hobby ganhava terreno e preenchia cada vez mais o meu tempo. As saudades de Palmela, da família, dos amigos eram já grandes... Seis anos na Marinha Grande é obra para quem, como eu, é amante das suas raízes! Voltei à terra e, com a ajuda da família e amigos (e também do centro de emprego) dei forma à Maçã Riscada. Para quem tem curiosidade em saber o porquê do nome, a maçã riscadinha é uma maçã típica da região de Palmela. É achatada, verde e cheia de risquinhas vermelhas. Uma delícia!

Não estou, portanto, a fazer aquilo para o que estudei largos anos mas neste momento sinto-me muito feliz e realizada. Não fosse esta «malvada» crise e tudo seria perfeito! Ah, e também acho que embora muitas vezes me afaste dos propósitos do design, não é raro utilizar os seus ensinamentos naquilo que faço, mesmo sem dar conta!



De onde vem a inspiração para os teus trabalhos?

De tudo e de nada, de todos e de pequenos nadas, do que nos rodeia todos os dias, desde que nos levantamos até nos deitarmos. E depois também nos sonhos, porque mesmo esses são fantásticas inspirações!

Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?

Neste momento tenho a sorte de ter na Maçã Riscada a maior parte dos materiais que preciso. Sim, porque para além de artesanato de autor, a «Maçã» também tem uma pequena área de retrosaria de selecção (seleccionada por mim! :)) Ainda assim, não resisto a vasculhar retrosarias de outros tempos, e as caixas velhas da minha mãe. Essa sim, aprendeu a costurar e a bordar... e fez todo o seu enxoval, como todas as mães dessa altura!



De todo o processo de produção das tuas peças qual é a parte que mais te agrada?

A parte menos interessante é aquela da máquina costura, que uso para dar a forma geral aos bonecos. A parte melhor vem sempre a seguir: quando escolho quem serão eles, a cor dos cabelos, a forma da boca, a cor das bochechas... se são gatos, é altura de decidir a expressão da cara e depois dar forma à sua personalidade através dos restantes detalhes... se são meninas, aí há uma infinidade de possibilidades! Mas em todos os casos, acho que são eles que ditam a sua própria vida, eu apenas vou cosendo, fazendo-lhes a vontade!

Como é que divulgas o teu trabalho?

É possível conhecer os meus trabalhos na Maçã Riscada e também em algumas lojas no norte do país (neste momento na Mãos à Arte e nas Águas Furtadas). Depois, há a divulgação via net, através do meu blog e do flickr.



A internet tem um papel importante na divulgação do teu projecto?

A internet tem um papel fundamental na divulgação dos bonecos sebastiãopretocarvão e até na divulgação da loja Maçã Riscada. Muitas pessoas vêm a Palmela conhecer a loja só porque a viram no blog. Pessoas do Norte e Sul do país! Acho fabuloso e sinto-me muito grata pela forma como sempre fui acarinhada nesse meio, conheci pessoas fabulosas!

O que achas da actual moda do artesanato urbano?

Gosto de saber que há cada vez mais pessoas interessadas em não deixar morrer a tradição do handmade. E há por aí muita gente cheia de talento que ainda não o descobriu! Acho que é importante experimentar, dar largas à imaginação e criar! Somos um país pequeno com muita dificuldade em competir pela quantidade, há que apostar no produto diferenciado, único e especial. Penso que somos bons nisso, o artesanato é disso um exemplo.



Que conselho darias a quem ainda anda à procura do seu próprio estilo nos trabalhos manuais?

Acho que o mais importante é sermos nós mesmos antes de mais e sentirmo-nos bem com aquilo que fazemos. É preciso olhar cá para fora e depois espreitar lá para dentro. É lá que está aquilo que nós somos e é isso que temos que transportar para os nossos trabalhos, a nossa vivência, as nossas experiências, o que sentimos, o que imaginamos. Penso que se o fizermos ofereceremos um trabalho genuíno, com alma, com coração. É essa a mais valia de um trabalho manual, é ser feito pelas mãos de alguém, que é único e especial, porque cada um de nós o é!



Podes partilhar alguns dos teus crafters favoritos?

Não é muito simpático dizer nomes... mas não resisto falar de alguns que me fazem vibrar a cada novo trabalho: sou fã incondicional dos bonecos do Ricardo Rodrigues, que é uma fonte inesgotável de criatividade e perfeição, adoro a doçura dos trabalhos da Rute Reimão, a pureza das peças Senhor de Si, a imaginação divertida das peças da Carla Torrão, o serpenteado delicioso das peças da Maria Ribeiro e a excentricidade colorida da Dina Ladina.

Quais são os teus sonhos para o futuro?

Que o pomar da Maçã Riscada dê cada vez mais fruta, que o sebastiãopretocarvão continue de agulhas na mão, e que a minha maçazita pequena chamada José cresça saudável e feliz, até ficar uma grande maçã riscadinha sumarenta e deliciosa!

4 comentários:

Unknown disse...

A Patricia é para mim uma refrência!

gatodependente disse...

palavras sábias de uma doce artesã!

Elsa Fernandes disse...

Mais comentários à entrevista da Patrícia para ler aqui.

Marca de Água disse...

Que engraçado o ínicio do teu trabalho! Fartei-me de rir! Já acompanho o teu trabalho há algum tempo e adorei conhecer-te! Bjinhos