Nome: Rita Cordeiro
Cidade: Leiria
Blog: in-my-pocket.blogspot.com
Loja online: cooler-shop.blogspot.com e
wooler-shop.blogspot.comFlickr: www.flickr.com/photos/inmypocket
Como descreverias o teu trabalho?Uma aplicação de uma técnica ancestral de tecelagem, o
crochet, a acessórios contemporâneos e, espero, inovadores. Ou seja, tento utilizar o que sei de uma forma menos convencional.
Como é que tudo começou?Aprendi a fazer renda com a minha avó paterna quando era pequena, com agulha e linha beige (naquela altura ainda ninguém utilizava a expressão
crochet ou
tricot, fazia-se renda e malha). Era uma das muitas formas que ela tinha para nos distrair. Sempre fui muito irrequieta, e é claro que durante toda a minha adolescência tive mais que fazer do que ficar sentada a fazer naperons e mantas...
Tudo o que aprendi hibernou até me ter tornado mãe e todos os tesouros da família, feitos pelas minhas avós, tias e mãe me terem vindo parar às mãos quando a minha filha nasceu. A maternidade muda-nos em muitos aspectos, e eu voltei a lembrar-me de como gostava de fazer crochet. E cheguei à conclusão de que é como andar de bicicleta e sinto-me orgulhosa por poder honrar a memória da minha avó Tina que semeou isto em mim.
Como escolheste o nome do teu projecto?Após ter feito várias mantas encontrei, nos fundos de uma loja, lã 100% portuguesa já com alguns anos, proveniente de uma fábrica que tinha ardido. Quando olhei para a lã apercebi-me de todo o potencial que tinha. A paleta de cores disponível era linda, senti-me como se tivesse encontrado um tesouro e comprei quase tudo o que havia. Podia aplicá-la em tantas coisas! Mas o meu plano eram as golas porque sempre me irritaram as pontas dos cachecóis que caem com o vento e deixam o pescoço desprotegido.
Fiz, desmanchei e refiz, até que cheguei na altura a dois modelos (que entretanto se multiplicaram por muitos outros), um deles multifuncional, que é um conceito que me agrada muito, e a um nome para a marca. Depois promovi um concurso no blog (porque várias cabeças pensam melhor do que uma), que ajudou a apurar o nome ao qual eu já tinha chegado, mas com uma grafia diferente: wooler.
Com a aproximação do tempo mais quente, e na sequência do que já tinha começado, criei a cooler que consiste em acessórios mais frescos, mas também multi-funcionais, para além de peças únicas. Não faço dois colares iguais.

Porquê fazer crafts? O que é que te motiva?
Sempre tive um gosto apurado, coisa que herdei da minha mãe, habilidade manual, que herdei do meu pai e alguma veia criativa, mas também muita preguiça (acho que por insegurança) de concretizar ideias. Por exemplo, sempre tive um grande fascínio pela ilustração mas nunca me aventurei com medo de falhar...
O facto de por ter saudades e quase por brincadeira (ora vamos lá ver se eu ainda sei fazer isto!), ter voltado a pegar numa agulha e ter conseguido criar coisas que também agradam às outras pessoas foi inesperado e recompensador a vários níveis. E a satisfação pessoal de, com recursos próprios e às vezes materiais reciclados, produzir peças únicas é enorme.
E a verdade é que a partir do momento em que comecei já não consegui parar. É o chamado efeito bola de neve em que as ideias surgem em catadupa, mas devido ao elevado número de horas que despendo com cada peça falta-me muitas vezes tempo para pô-las todas em prática. Acho que o que mais me motiva são as reacções tão positivas que o meu trabalho tem tido.
Os crafts são um trabalho a tempo inteiro? O que ocupa os teus dias?Sou designer de comunicação visual e trabalhei durante os últimos nove anos sempre no mesmo atelier. Há um ano e meio, e após 11 ou 12 anos a viver em Lisboa, mudámos a nossa vida toda. Foi assim uma espécie de grito do Ipiranga contra a rotina da grande cidade, com um recomeço (com tudo o que isso tem de bom e de mau) na província.
Ganhámos saúde, calma, ar mais puro, céu mais azul e essa coisa preciosa chamada tempo. Desde então, para além de ser uma mãe muito mais disponível, trabalho como
freelancer e nas peças da cooler e da wooler (nas quais acumulo as funções de criadora, executante, modelo, fotógrafa, designer, relações públicas,
marketeer e vendedora) o que me ocupa os dias e, muitas vezes, as noites.
De onde vem a inspiração para os teus trabalhos?Acho que a maior inspiração vem do dia-a-dia, de todas as coisas com as quais me identifico. Penso muitas vezes em coisas que supram as minhas próprias necessidades. No que eu gostaria de usar. Tenho um grande fascínio por peças multi-funcionais, das golas que se transformam em capuz ou dos colares que se transformam em gola e surpreendo-me muitas vezes com novas utilizações que as pessoas dão às peças (como por exemplo usar um colar como cinto!).
Gosto muito de descontextualizar num lado e contextualizar noutro e acho que tenho algumas influências tribais em algumas peças da cooler outras mais tradicionais na wooler. Também gosto de brincar com a escala das coisas, se bem que essas peças não sejam usáveis por pessoas mais clássicas. Mas é engraçado perceber que as pessoas clássicas também gostam do meu trabalho e fazem encomendas de modelos mais extravagantes em cores mais suaves.
Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?Desde alguns botões de colecção da minha mãe e avós até aos fundos de lojas onde já tive a sorte de entrar e ficar a escolher durante horas, um pouco por todo o lado. Gosto muito do comércio tradicional, mas também recorro muita vezes a lojas online porque há materiais difíceis de encontrar por aqui.
De todo o processo de produção das tuas peças qual é a parte que mais te agrada?Gosto de tudo mas principalmente dos protótipos! Mais quando resultam, claro! A adrenalina de ter uma peça nova e a expectativa de qual será a reacção das pessoas é sempre um desafio e habitua-me a não tomar as coisas como certas. Há muitas vezes em que as coisas não correm como eu esperava e isso obriga-me a melhorar. Mesmo que à partida não saiba bem que nova direcção tomar, a persistência acaba quase sempre por se revelar produtiva em termos criativos.
Como é que divulgas o teu trabalho?A melhor divulgação é um cliente satisfeito! O passa-a-palavra agrada-me muito e tenho sido surpreendida com pessoas que não conheço a tornarem-se fãs das páginas (ainda em construção) da
cooler ou da
wooler no Facebook. Fã não é um termo de que goste especialmente, mas é uma forma de as pessoas se manterem em contacto com o que vou fazendo.
Para além disso, tenho vindo a criar uma
mailing list e envio uma newsletter quando actualizo as lojas com peças novas.
Já tive vários convites de outras lojas, mas ainda só consegui aceitar um, da
loja de estar (que é um projecto muito especial que acompanhei de perto), feliz pela iniciativa das duas responsáveis e porque sei a coragem que é preciso para começar alguma coisa do zero. Ainda não aceitei outros convites por manifesta falta de tempo para produzir peças que possa disponibilizar para consignação, por exemplo. Tenho uma grande dificuldade em ter stock. É uma das coisas que faz parte da minha lista para 2010: ponderar os convites e aceitar alguns. Só preciso de tempo.
A internet tem um papel importante na divulgação do teu projecto?Sim! A rapidez vertiginosa com que a informação chega às pessoas, em qualquer parte do mundo, é extraordinária. Já tive encomendas e e-mails de sítios onde seria impensável chegar se não fosse a internet.
O que achas da actual moda do artesanato urbano?Espero que não seja apenas uma moda! O trabalho manual é muito exigente fisicamente e requer muita disciplina. Não há fins-de-semana porque nunca se chega a sair do local de trabalho (quando se trabalha em casa) e está sempre ali à vista, à espera de ser começado, continuado ou terminado. Acho que esta parte é ainda muito menosprezada e que grande parte das pessoas não toma consciência do trabalho todo que está por detrás de uma peça acabada e perfeita e de que todas as pessoas que trabalham de forma continuada e consistente nesta área, trabalham mesmo muito para conseguirem ter um trabalho coerente, inovador e diversificado.
É verdade que muitas das pessoas que trabalham hoje em dia, fazem-no apenas porque a conjuntura económica actual as empurrou para isso. Para muitas delas é o chamado plano B, a forma que encontraram de ganhar dinheiro extra pondo em campo os seus conhecimentos de costura ou de tricot ou de crochet ou de tantas outras técnicas. Nem toda a gente terá estofo, nem persistência para o fazer durante um longo período de tempo porque é um meio bastante competitivo e, como em todas as áreas, há projectos com princípio, meio e fim. Mas eu acho que quem trabalha com cabeça, tronco e membros, se distingue e tem projectos com um fio condutor que não vai ser cortado de repente.
Que conselho darias a quem ainda anda à procura do seu próprio estilo nos trabalhos manuais?
Não desistir à primeira contrariedade, tentar sempre ser original, desmanchar e refazer muitas vezes, procurar o acabamento perfeito. Ter boas ideias dá muito trabalho, mas não há nada mais gratificante do que o reconhecimento posterior de que se conseguiu alguma coisa verdadeiramente inovadora.
Podes partilhar alguns dos teus crafters favoritos?Até podia responder que não consigo porque são muitos. E são mesmo. Mas vou enumerar algumas das pessoas, muitas delas portuguesas, que me fazem sorrir muitas vezes pelo seu percurso de excepção e com as quais gostaria de me parecer quando for grande:
a
Ana Ventura, de quem adoro as últimas
papelsonagens e a série
invisíveis, a
Ana Margarida Pintassilgo, que consegue fazer-me ter pena de não poder usar brincos, a
Elin Thomas , que tem as peças em crochet mais bem executadas e perfeitas que já vi, a
Gisela Borges, que tem alguns dos colares e pulseiras mais bonitos que vi nos últimos tempos e um percurso absolutamente genial e que espero volte a uma produção mais regular em breve, o
José Machado, que faz sapatos, botas e sandálias magníficos, tanto do ponto de vista visual como de conforto, a
Maria João Ribeiro, que tem uma capacidade de produção que me deixa boquiaberta e cujas peças são autênticas obras de arte e sempre com conjugações de cores de cortar a respiração de tão lindas, a
Maria Madeira, que faz os bonecos e malas mais lindos e com uma perfeição sempre exemplar, a
Rita Pinheiro, que faz os burros, cães e ovelhas mais patuscos, coloridos e versáteis, a
Karola Torkos, que tem uma linha de jóias lindas que se chama
fools gold e que não se importou nada de que eu usasse o nome
confetti, o
Ricardo Rodrigues , que ultimamente se dedica mais à ilustração e cujos bonecos (heróis de bolso,
lovers, etc.) sempre considerei dos mais originais, pormenorizados e perfeitos que já vi, a
Rosa Pomar, incontornável e visionária, sempre com uma simplicidade tal que me faz muitas vezes pensar: «como é que ninguém se lembrou disto antes?», defendendo acerrimamente tradições, materiais e lojas em extinção e que é uma inspiração para muitas pessoas, eu incluída, a
Vera João, que tem peças de excepção, muito cuidadas e sempre com uma paleta de cores muito original e
cuja colaboração com a Margapinta me arrebatou.
Quais são os teus sonhos para o futuro?Gostava de ter um espaço multidisciplinar. Uma loja/atelier/galeria/editora onde pudesse criar e ter as minhas peças à venda, trabalhar como designer a fazer livros e discos e outras coisas que tais e também pudesse servir como plataforma de divulgação do trabalho de outras pessoas. E onde houvesse também à venda sapatos/sapatilhas, claro, já que sou uma
sapatólica inveterada e adorava poder disponibilizar algumas marcas de que gosto muito e que não são fáceis de encontrar por cá.